terça-feira, 30 de junho de 2015

COLEÇÃO


Pomian, Krzysztof
Existe um número incontável de obras em museus e em coleções particulares, não abrigadas num único inventário. Os museus podem ser classificados em categorias (arte, ciências, história...) enquanto nas coleções particulares descobrem-se objetos que muitas vezes podem ser classificados como ‘banais’. O autor propõe um questionamento: como caracterizar objetos tão diferentes entre si?  Retirados do uso para os quais foram construídos/confeccionados e recolhidos a um local de coleção, estes objetos perderam a utilidade de sua criação e passam a ter a função de serem observados. Mas, mesmo com sua  utilidade banida para sempre são protegidos de fatores externos (umidade, poeira, temperatura..), restaurados e expostos de modo a não serem tocados.  Passam a ser vistos, mas não tocados! Por seu caráter de peças preciosas e conhecendo-se o grande valor que as envolve, parece contraditório que estas coleções estejam ao alcance de nossos olhos.
A despeito de coleções formadas com finalidade especulativa, há  coleções transformadas em museus com investimentos continuados, como vários exemplos conhecidos na Europa e EUA.   Mesmo tratando de diversidade em sua construção, podemos obter um ponto de convergência entre os museus e coleções, quer seja, de que sempre se trata de um conjunto de objetos que situam-se fora do circuito da atividade econômica – para a qual foram construídos, e que protegidos, estão ao alcance de nosso olhar.  Pomian informa em seu artigo que os objetos de uma coleção adquirem o caráter de preciosos, mas questiona: Como atribuir valor de uso, já que foram adquiridos para serem expostos e não para uso? Por que são considerados preciosos? Conclui que os objetos são fonte de prazer estético e permitem ao espectador adquirir conhecimento científico e/ou histórico. Conferem prestígio ao detentor – valor simbólico, demonstrando o apurado gosto, curiosidade intelectual, riqueza e generosidade.

Uma coleção de coleções.
Não é difícil encontrar os conjuntos de objetos naturais ou artificiais mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, submetidos a uma proteção especial e expostos ao olhar. Podem ser achados em tumbas/templos, palácios e residências de particulares.    
mobiliário fúnebre: inumar o corpo com objetos que lhe pertenciam em vida: instrumentos, armas, jóias, tapeçarias, obras arte.... 
oferendas: também nos templos, como nos museus,  se acumulavam e eram expostas as oferendas. O objeto oferecido ao deus torna-se sagrado-majestoso e inviolável, como os deuses. Tocá-los ou subtraí-los é sacrilégio.  
presentes e despojos: objetos mantidos fora do circuito de atividades econômicas também se acumulavam na residência dos detentores do poder. Eram exibidos apenas em festas/cerimônias. Os despojos parecem estar na origem das coleções particulares em Roma.
as relíquias e os objetos sagrados: itens que se crê tenham entrado em contato com um deus ou herói. O apogeu da relíquia deve-se, entretanto, ao Cristianismo, ao difundir o culto aos santos.
os tesouros principescos: uso cerimonial (anéis, cruzes,..), profano (baixelas); curiosidades naturais : astrolábios, mapas....

As coleções: o visível e o invisível.
Mesmo tratando de objetos diversos, há entre todos os objetos das coleções uma unidade: unem o mundo visível ao invisível. Funcionam como comunicadores entre os dois mundos, desde que exposto ao olhar. Desse modo, os objetos tornam-se intermediários entre nosso olhos e o mundo que representam.  O invisível é o que está longe-no tempo e no espaço... Todos, entretanto, cumprem uma função que é de mediarem a relação entre quem os olha e os habitantes de um mundo que não é o mesmo do espectador. Assim, os objetos cumprem a função de intermediários entre espectadores e um mundo invisível (onde proliferam mitos,  contos, história). Esta condição é universal, o que permite afirmar que a coleção é também uma instituição universal.

Utilidade e significado:
É a linguagem que engendra o invisível. Ela se dá pela narrativa do objeto que pode ser oral, escrita... Ela nos dá a certeza  de que aquilo que estamos vendo é apenas uma parte do que existe. A oposição entre o invisível e o visível ocorre entre aquilo de que se fala e aquilo que se percebe. Sobre a função de representar algo invisível, podemos estabelecer a relação A-B, onde A é o objeto e B o que o objeto gera, o mudo dos significados. Também, se B é invisível, A-que é visível, o representa.        

As coleções particulares e os museus:
Na Europa, no período 1350-1400, começam a surgir novas relações com o invisível. Os vestígios passam a ter significado quando relacionados com textos provenientes da Antiguidade. Tornam-se, então, objeto de estudo – surge uma nova classe de semióforos(aqueles que se estudam). E um novo grupo social, os humanistas, passa a ter interesse por esta categoria de semióforos.  Formam-se primeiramente na Itália e posteriormente nas cortes principescas.  Na segunda metade do século XVI, a moda de colecionar antiguidades difundiu-se entusiasticamente em todos países europeus e em diversos ambientes e inclusive instituições como College of  Antiquaries-Inglaterra. As expedições que conduzem bens à Europa também levam o saber e novos semióforos: tecidos, ídolos-sem valor de uso, mas trazendo o invisível: sociedades diferentes, outros climas... Não se tornam objeto de estudo, mas curiosidade. Outras categorias de semióforos podem ser citadas: obras de arte e quadros, assim como equipamento e instrumental científico.
Se na Idade Média as coleções estavam nas mãos de igreja e príncipes, já no final do século XIV aparecem os humanistas, antiquários, artistas e cientistas, formando gabinetes de curiosidades, galerias de pinturas e esculturas, bibliotecas... A aquisição de semióforos (arte, coleções...) agrega ao comprador uma alta posição exposta pela riqueza,  saber, refinamento...
Formada a demanda, começa a existir um mercado de obras de arte, antiguidades, itens diversos... São realizadas vendas públicas com publicação de catálogos (conhece-se publicação na Holanda de 1616). A partir do século XVIII, o grande centro de vendas públicas é Amsterdan, sucedida por Londres e Paris. Na Itália-o país que maior número de peças de arte acumula, a venda se faz em lojas de mercadores, diferente das demais cidades. 
O aporte financeiro para acesso aos semióforos é cada vez maior e por isso os adquirentes voltam-se a objetos de menor valor, como moedas, estampas, exemplares de história natural... Tornam-se cobiçadas, então o interesse se desloca para objetos anteriormente desprezados: produções medievais e de povos não europeus, arte popular. Neste ambiente e premidos poela vontade de mais conhecer a seu respeito, surgem as teorias para classificação, localização no tempo, etc. conhecimentos da arqueologia, paleontologia, história da arte e etnografia. 
A observação dos itens acumulados se dá nas visitas consentidas dos proprietários e que ocorriam num mesmo meio social e de artistas e estudiosos. Com a melhora do poder econômico, os antes impedidos de acessar as obras, como sábios, escritores, eruditos e artistas, começam a buscar acesso aos semióforos necessários as suas atividades.  Para disponibilizar a este público livros, manuscritos, objetos, são fundadas as bibliotecas e posteriormente, os museus.   
A característica presente nos museus é a                            
permanência, ele sobrevive mesmo com advento    
da morte de seus fundadores. É uma instituição
pública eis que o museu privado se trata de uma
coleção particular.  O ponto de partida é de uma
autoridade ou da coletividade que posteriormente
assume sua manutenção. São aberto a todos e celebram o passado e se tornam depositários daquilo que conta a história de uma nação, um povo.    
  
Fonte: POMIAN, Krzysztof. Enciclopédia Einaudi volume 1-Memória e História, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984.

Sobre o autor:
POMIAN, Krzysztof – (1934-) Filósofo, historiador e ensaísta polonês, é porofessor de História na Universidade Nicolau Copérnico-Torúm/Polônia  e Diretor do Museu da Europa em Bruxellas-Bégica. 

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