COLEÇÃO
Pomian, Krzysztof
Existe um número incontável de
obras em museus e em coleções particulares, não abrigadas num único inventário.
Os museus podem ser classificados em categorias (arte, ciências, história...)
enquanto nas coleções particulares descobrem-se objetos que muitas vezes podem
ser classificados como ‘banais’. O autor propõe um questionamento: como
caracterizar objetos tão diferentes entre si?
Retirados do uso para os quais foram construídos/confeccionados e
recolhidos a um local de coleção, estes objetos perderam a utilidade de sua
criação e passam a ter a função de serem observados. Mas, mesmo com sua utilidade banida para sempre são protegidos
de fatores externos (umidade, poeira, temperatura..), restaurados e expostos de
modo a não serem tocados. Passam a ser
vistos, mas não tocados! Por seu caráter de peças preciosas e conhecendo-se o
grande valor que as envolve, parece contraditório que estas coleções estejam ao
alcance de nossos olhos.
A despeito de coleções formadas com
finalidade especulativa, há coleções transformadas
em museus com investimentos continuados, como vários exemplos conhecidos na
Europa e EUA. Mesmo tratando de
diversidade em sua construção, podemos obter um ponto de convergência entre os
museus e coleções, quer seja, de que sempre se trata de um conjunto de objetos
que situam-se fora do circuito da atividade econômica – para a qual foram
construídos, e que protegidos, estão ao alcance de nosso olhar. Pomian informa em seu artigo que os objetos de
uma coleção adquirem o caráter de preciosos, mas questiona: Como atribuir valor
de uso, já que foram adquiridos para serem expostos e não para uso? Por que são
considerados preciosos? Conclui que os objetos são fonte de prazer estético e
permitem ao espectador adquirir conhecimento científico e/ou histórico. Conferem
prestígio ao detentor – valor simbólico, demonstrando o apurado gosto,
curiosidade intelectual, riqueza e generosidade.
Uma coleção de coleções.
Não é difícil encontrar os
conjuntos de objetos naturais ou artificiais mantidos temporária ou
definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, submetidos a uma
proteção especial e expostos ao olhar. Podem ser achados em tumbas/templos,
palácios e residências de particulares.
► mobiliário fúnebre: inumar o corpo com objetos que lhe
pertenciam em vida: instrumentos, armas, jóias, tapeçarias, obras arte....
► oferendas: também nos templos, como nos
museus, se acumulavam e eram expostas as
oferendas. O objeto oferecido ao deus torna-se sagrado-majestoso e inviolável,
como os deuses. Tocá-los ou subtraí-los é sacrilégio.
► presentes e despojos: objetos mantidos fora do
circuito de atividades econômicas também se acumulavam na residência dos
detentores do poder. Eram exibidos apenas em festas/cerimônias. Os despojos
parecem estar na origem das coleções particulares em Roma.
► as relíquias e os objetos sagrados: itens que se
crê tenham entrado em contato com um deus ou herói. O apogeu da relíquia
deve-se, entretanto, ao Cristianismo, ao difundir o culto aos santos.
► os tesouros principescos: uso cerimonial (anéis,
cruzes,..), profano (baixelas); curiosidades naturais : astrolábios, mapas....
As coleções: o visível e o invisível.
Mesmo tratando de objetos
diversos, há entre todos os objetos das coleções uma unidade: unem o mundo
visível ao invisível. Funcionam como comunicadores entre os dois mundos, desde
que exposto ao olhar. Desse modo, os objetos tornam-se intermediários entre
nosso olhos e o mundo que representam. O
invisível é o que está longe-no tempo e no espaço... Todos, entretanto, cumprem
uma função que é de mediarem a relação entre quem os olha e os habitantes de um
mundo que não é o mesmo do espectador. Assim, os objetos cumprem a função de
intermediários entre espectadores e um mundo invisível (onde proliferam
mitos, contos, história). Esta condição
é universal, o que permite afirmar que a coleção é também uma instituição
universal.
Utilidade e significado:
É a linguagem que engendra o
invisível. Ela se dá pela narrativa do objeto que pode ser oral, escrita... Ela
nos dá a certeza de que aquilo que
estamos vendo é apenas uma parte do que existe. A oposição entre o invisível e
o visível ocorre entre aquilo de que se fala e aquilo que se percebe. Sobre a
função de representar algo invisível, podemos estabelecer a relação A-B, onde A
é o objeto e B o que o objeto gera, o mudo dos significados. Também, se B é
invisível, A-que é visível, o representa.
As coleções particulares e os museus:
Na Europa, no período 1350-1400,
começam a surgir novas relações com o invisível. Os vestígios passam a ter
significado quando relacionados com textos provenientes da Antiguidade. Tornam-se,
então, objeto de estudo – surge uma nova classe de semióforos(aqueles que se
estudam). E um novo grupo social, os humanistas, passa a ter interesse por esta
categoria de semióforos. Formam-se
primeiramente na Itália e posteriormente nas cortes principescas. Na segunda metade do século XVI, a moda de
colecionar antiguidades difundiu-se entusiasticamente em todos países europeus
e em diversos ambientes e inclusive instituições como College of Antiquaries-Inglaterra. As expedições que
conduzem bens à Europa também levam o saber e novos semióforos: tecidos,
ídolos-sem valor de uso, mas trazendo o invisível: sociedades diferentes,
outros climas... Não se tornam objeto de estudo, mas curiosidade. Outras
categorias de semióforos podem ser citadas: obras de arte e quadros, assim como
equipamento e instrumental científico.
Se na Idade Média as coleções
estavam nas mãos de igreja e príncipes, já no final do século XIV aparecem os
humanistas, antiquários, artistas e cientistas, formando gabinetes de
curiosidades, galerias de pinturas e esculturas, bibliotecas... A aquisição de
semióforos (arte, coleções...) agrega ao comprador uma alta posição exposta
pela riqueza, saber, refinamento...
Formada a demanda, começa a
existir um mercado de obras de arte, antiguidades, itens diversos... São
realizadas vendas públicas com publicação de catálogos (conhece-se publicação
na Holanda de 1616). A partir do século XVIII, o grande centro de vendas
públicas é Amsterdan, sucedida por Londres e Paris. Na Itália-o país que maior
número de peças de arte acumula, a venda se faz em lojas de mercadores,
diferente das demais cidades.
O aporte financeiro para acesso
aos semióforos é cada vez maior e por isso os adquirentes voltam-se a objetos
de menor valor, como moedas, estampas, exemplares de história natural...
Tornam-se cobiçadas, então o interesse se desloca para objetos anteriormente
desprezados: produções medievais e de povos não europeus, arte popular. Neste
ambiente e premidos poela vontade de mais conhecer a seu respeito, surgem as
teorias para classificação, localização no tempo, etc. conhecimentos da
arqueologia, paleontologia, história da arte e etnografia.
A observação dos itens acumulados
se dá nas visitas consentidas dos proprietários e que ocorriam num mesmo meio
social e de artistas e estudiosos. Com a melhora do poder econômico, os antes
impedidos de acessar as obras, como sábios, escritores, eruditos e artistas,
começam a buscar acesso aos semióforos necessários as suas atividades. Para disponibilizar a este público livros,
manuscritos, objetos, são fundadas as bibliotecas e posteriormente, os museus.
permanência,
ele sobrevive mesmo com advento
da
morte de seus fundadores. É uma instituição
pública eis que o
museu privado se trata de uma
coleção
particular. O ponto de partida é de uma
autoridade
ou da coletividade que posteriormente
assume
sua manutenção. São aberto a todos e celebram o passado e se tornam
depositários daquilo que conta a história de uma nação, um povo.
Fonte: POMIAN, Krzysztof. Enciclopédia
Einaudi volume 1-Memória e História, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984.
Sobre o autor:
POMIAN,
Krzysztof – (1934-) Filósofo, historiador e ensaísta polonês, é porofessor de
História na Universidade Nicolau Copérnico-Torúm/Polônia e Diretor do Museu da Europa em
Bruxellas-Bégica.
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